Hoje vamos refletir a respeito da relação entre as sensações e o desenvolvimento infantil. Buscaremos compreender de que forma o aparato sensorial se encontra na base de todo o processo de aprendizagem da criança, principalmente durante a primeira infância, e como podemos estimulá-lo para que o desenvolvimento infantil aconteça com todo o seu potencial.
A Sensação, a Percepção e os Sentidos
Antes de mais nada, precisamos entender o que é sensação, percepção e o que são os sentidos. As sensações são estímulos captados por receptores do nosso corpo. A percepção, por sua vez, é o processo através do qual se obtém informação da estimulação. Ou seja, é a capacidade de darmos sentido e significado às nossas sensações. Os estímulos sensoriais são captados através dos sentidos, que são, por isso chamados de modalidades sensoriais. São eles, visão, audição, olfato, paladar, tato, vestibular e propriocepção.
O tato é o primeiro sentido a surgir e já está totalmente desenvolvido no nascimento. O processamento das informações tácteis amadurece durante a primeira infância, até por volta dos seis anos. A propriocepção é a capacidade de sentir a posição e o movimento do corpo e é relacionada ao tato, mas utiliza, além da pele, os músculos e as articulações e está relacionada ao processo de consciência corporal.
O sistema vestibular permite a percepção do movimento e do equilíbrio. Graças a ele, o feto orienta-se para a posição apropriada semanas ou dias antes do nascimento. Seu aparato amadurece no quinto mês de gestação e progride até a puberdade. Esse sistema se relaciona às habilidades posturais e motoras e exerce influência no desenvolvimento mental, neurológico, emocional, perceptivo e cognitivo em geral.
No período embrionário acontece a formação do olfato que permite que o bebê já sinta odores na vigésima oitava semana de gestação. Esse sentido é essencial no início das interações sociais humanas, pois através dele o bebê é capaz de reconhecer os pais, pessoas e objetos familiares.
Há evidências de que no terceiro trimestre de gestação, os bebês já experimentem diferentes sabores que futuramente também se encontrarão no leite materno. Por isso o paladar ajuda no reconhecimento da mãe. Os recém-nascidos já possuem preferências gustativas e esse sentido tem influência no humor e no seu bem estar emocional.
A visão ainda é primitiva no nascimento. Nesse momento, os bebês ainda não são capazes de ajustar o foco ou de perceber detalhes, sendo, sua visão, bidimensional até o primeiro ano de vida. O desenvolvimento desse sentido começa na quarta semana de gestação, amadurece por alguns anos e logo domina a experiência sensorial humana, tornando-se a principal fonte de aprendizado.
O aparato auditivo se forma cedo no útero e os bebês começam a escutar aproximadamente aos seis meses de gestação. A audição amadurece gradualmente até a idade escolar. Os bebês recém-nascidos são capazes de discriminar sons e possuem preferências, estando, a voz cantada e em tom alto da mãe, em primeiro lugar. No entanto, o processamento do som em bebês e crianças pequenas ainda é lenta e sua focalização, insipiente.
A Integração Sensorial
Após essa breve descrição dos sentidos, agora vamos buscar entender de que forma eles se organizam, fazendo com que a criança possa, pouco a pouco dominar suas experiências sensoriais, dar significados cada vez mais profundos a elas e utilizar todo o seu aparato na execução de atividades cada vez mais complexas, potencializando sua aprendizagem. Para que entendamos essa evolução, é essencial que reflitamos sobre a integração sensorial.
A Integração Sensorial é um processo neurológico que se inicia na fase pré-natal. É um fenômeno inconsciente que permite que as diferentes sensações sejam percebidas e processadas simultaneamente e de maneira global. Graças a ela, somos capazes de filtrar as informações, selecionar o foco da nossa atenção e aumentar ou reduzir a intensidade das diversas sensações. É ela também que nos permite realizar ajustes no nosso corpo a fim de que possamos utilizar as sensações de forma prática no dia-a-dia. Por isso, ela é de fundamental importância no aprendizado, socialização e desenvolvimento emocional.
A Aprendizagem e o Desenvolvimento
Agora que entendemos a estruturação do nosso sistema sensorial e compreendemos que seu processo de amadurecimento ocorre basicamente durante a primeira infância, voltaremos a nossa atenção para a aprendizagem e desenvolvimento infantil. Naturalmente, se quisermos provocar uma maior aprendizagem na criança pequena, precisaremos trabalhar o aparato sensorial, estimulando-o para que amadureça plenamente.
O cérebro precisa de uma contínua estimulação sensorial para que se desenvolva. E isso só ocorre se o sistema sensorial estiver exposto a situações que ativem seus receptores. Quanto mais transmissões desses receptores para o cérebro, do cérebro para o corpo, maiores são as possibilidades de novas transmissões e de, ou seja, maior capacidade neurológica.
Toda experiência sensorial é capaz de produzir uma resposta motora. Quanto mais complexa for uma atividade em termos de estimulação sensorial, mais neurônios são envolvidos a fim de se obter respostas corporais adequadas. Dessa forma, o que podemos chamar de estimulação sensório-motora durante a infância é o que vai estabelecer e criar mais e mais conexões entre os neurônios.
Nesse contexto, as brincadeiras são fundamentais, pois nessas experiências, a criança precisa organizar suas sensações e, ao fazer isso, ela se torna capaz também de controlar suas emoções. Brincando, assim, ela vai amadurecendo e criando a base necessária para futuras aprendizagens, pois, se os processos sensoriais são bem organizados, a criança terá mais facilidade para desenvolver habilidades mentais.
Tendo isso em vista, podemos afirmar que as experiências sensoriais possuem um lugar de extrema importância no desenvolvimento infantil. Atividades simples como balançar um bebê, jogar uma criança para o alto, fazê-la acompanhar um objeto com os olhos, por exemplo, provocam respostas corporais adaptativas e, portanto, integração sensorial.
Tocar e ser tocada, ter contato com objetos de diferentes texturas, cheiros e sabores vai despertar a criança para o mundo proximal e trazer segurança através do domínio e reconhecimento cada vez maior de pessoas, situações e lugares. Essas experiências irão colaborar para o desenvolvimento emocional, pois ajudam no fortalecimento de laços afetivos. Através desses estímulos, a criança se torna mais sensível, compreende melhor o mundo, desenvolve habilidades motoras e adquire mais saúde e bem-estar emocional.
A audição e a visão são as principais vias de acesso ao mundo não proximal. A relação da criança com a música e com a fala colaboram para a estruturação da emoção, da linguagem e outras habilidades cognitivas. Enquanto os outros sentidos conseguem estabelecer um laço afetivo entre a criança e os pais, a audição permite que esse laço se aprofunde para um viés de comunicação. Por sua vez, as experiências visuais e visomotoras no começo da vida são muito importantes, pois favorecem intensamente a integração dos diversos sentidos, colaborando nos ajustes corporais e no reconhecimento integrado e global das sensações.
Tendo tudo isso em vista, compreendemos que estimulação sensorial e aprendizagem estão intimamente relacionadas, principalmente durante a primeira infância, fase na qual os sentidos estão em fase de amadurecimento e a integração sensorial acontece e evolui intensamente. Expondo as crianças a experiências nas quais possam se relacionar ativamente com o mundo, conseguiremos prepara-las para os desafios intelectuais e emocionais que se apresentarão durante toda a sua vida.
Abaixo, o registro de uma atividade de estimulação sensorial que trabalha integração sensorial através do estímulo auditivo e visual:
Flávia Cappelletti
Uau!! Adorei o texto!! Super didático e completo!!
Muito obrigada, Paula! Ficamos felizes que tenha gostado!
Gostei bastante. Bem aprofundado.
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gostaria de receber informações sobre o trabalho de estimulação sensorial com autistas e deficientes intelectuais. Desenvolvo um trabalho com música, utilizando o violão e canto.
Obrigado!
Agradecemos o comentário, Rubens. Acompanhe nossas publicações que em breve colocaremos mais artigos sobre música e aprendizagem.
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